Primeiro estudo controlado com placebo em adultos com doença de Chagas crônica destaca a necessidade urgente de tratar milhões de pacientes em situação de risco
Os resultados do primeiro ensaio clínico de Fase 2 (com pacientes) na Bolívia, conduzido pela iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi) ─ na sigla em inglês de Drugs for Neglected Diseases initiative, revelam que o candidato à medicamento chamado E1224 mostrou bons resultados em termos de segurança e foi eficaz na eliminação do parasita que causa a doença de Chagas. A molécula, porém, não teve eficácia relevante após um ano de tratamento quando usada como única medicação. Por outro lado, o tratamento atual para a doença de Chagas, benznidazol, usado em um dos braços do estudo, mostrou ser eficaz ao longo prazo, mesmo com a contínua associação com efeitos adversos. Os resultados, apresentados hoje na reunião anual da Sociedade Americana de Medicina Tropical e Higiene, ou ASTMH (American Society of Tropical Medicine and Hygiene), destacam a necessidade de investigar regimes de dosagem alternativos e possíveis terapias de combinação de medicamentos com o objetivo de melhorar o atendimento aos milhões de pacientes.
[English] [Español]
Menos de 1% dos pacientes que vivem com a doença de Chagas atualmente recebe tratamento. As novas descobertas a partir do ensaio clínico do E1224 realizado na Bolívia nos últimos anos preenchem uma lacuna de informação sobre a doença que vem de longa data. Estas evidências contribuirão na reformulação de políticas de saúde públicas e para o aumento do acesso imediato ao tratamento, além de fornecer subsídios para futuras pesquisas de novas terapias para a doença.
O E1224 é um novo composto antifúngico descoberto e fabricado pela empresa farmacêutica japonesa Eisai e vem sendo desenvolvido como um tratamento para a doença de Chagas, com apoio e financiamento do Wellcome Trust. O estudo de Fase 2 duplo-cego, aleatório e controlado, avaliou a segurança e eficácia do E1224 em três esquemas de dosagem diferentes, tendo sido o primeiro estudo a coletar dados clínicos abrangentes sobre o uso atual do tratamento, o benznidazol . Ambos os tratamentos, E1224 e benznidazol, foram comparados com um grupo com placebo.
Um total de 231 pacientes adultos em fase crônica indeterminada (assintomática) da doença de Chagas foi tratado por um período máximo de 60 dias e avaliados ao final do tratamento e em vários momentos diferentes em até 12 meses de avaliação para acompanhamento. O estudo foi conduzido em dois locais (Cochabamba e Tarija) na Bolívia, país que apresenta a maior incidência mundial da doença de Chagas.
Ao final do tratamento, o E1224 revelou-se seguro e eficaz na eliminação do parasita de Chagas nos pacientes quando comparado com o placebo e o benznidazol. Poucos pacientes que receberam a dose mais elevada interromperam o tratamento com o E1224 devido a efeitos colaterais, porém em menor quantidade que no grupo tratado com benznidazol. No entanto, 12 meses após o tratamento, menos de um terço dos pacientes tratados com o E1224 continuaram a apresentar ausência do parasita em comparação com mais de 80% das pessoas tratadas com benznidazol. Esse resultado demonstra taxas de erradicação de forma sustentada relativamente baixas relacionas ao E1224.
“Neste estudo exploratório, controlado por placebo, esta série de resultados, na verdade, proporcionaram indícios científicos muito importantes para o desenvolvimento de novos medicamentos para a doença de Chaga e que seguiam desconhecidos”, disse Isabela Ribeiro, Chefe do Programa de Pesquisa Clínica de Chagas da DNDi e Líder do Projeto E1224. “Agora obtivemos dados mais precisos sobre segurança e eficácia de dois compostos extremamente úteis na orientação futura dos esforços de pesquisa para medicamentos contra Chagas.”
Embora o E1224 tenha sido ineficaz como agente de tratamento único (monoterapia), mostrou-se promissor se usado em combinação com medicamentos existentes, uma vez que apresentou intensa atividade positiva durante o tratamento, com um terço dos pacientes apresentando resposta sustentada ao tratamento de maior dosagem. O E1224 não mais será testado como monoterapia para a doença de Chagas. DNDi e a Eisai, no entanto, estão explorando a possibilidade de testar o E1224 em terapia combinada com o benznidazol .
“A Eisai continua empenhada na eliminação das doenças tropicais negligenciadas e espera continuar sua colaboração com a DNDi em estudos futuros que possam determinar o papel que o E1224 pode desempenhar no tratamento da doença de Chagas crônica indeterminada, além de oferecer novas e melhores opções de tratamento para pacientes que sofrem desta doença”, afirmou o Dr. Frederick P. Duncanson, diretor-sênior do grupo diretor para inovações da Eisai Inc. e Líder do Projeto E1224 na Eisai.
Além de avaliar o E1224, o estudo foi o primeiro a comparar a eliminação dos parasitas da doença de Chagas (Trypanosoma cruzi) com tratamento por benznidazol em comparação a placebo em adultos com doença de Chagas crônica indeterminada. O benznidazol teve um efeito rápido e sustentado, com queda significativa nas contagens de parasitas depois de apenas uma semana de tratamento. Alguns pacientes apresentaram efeitos adversos, principalmente náuseas, reações cutâneas, dores musculares e sintomas de neuropatia, dormência e formigamento nos membros. Uma vez que o tratamento com benznidazol dura normalmente 60 dias e efeitos colaterais indesejáveis são comuns, períodos mais curtos de uso do medicamento poderão ser mais seguros e, ainda assim, eficazes. Com base nesses resultados, a DNDi investigará tratamentos de menor duração com o benznidazol.
O estudo foi o primeiro ensaio clínico de Fase 2 conduzido na Bolívia, um exemplo do fortalecimento sustentado da capacidade pesquisa em um país em desenvolvimento, com recursos limitados. Um total de 97% dos pacientes inscritos completou o acompanhamento após 12 meses do tratamento e apenas sete dos 231 pacientes não foram encontrados ao longo do tratamento para acompanhamento. Dados importantes de farmacocinética e farmacodinâmica sobre pacientes com Chagas foram coletados, assim como caracterização da população do parasita (antes e após o tratamento) e candidatos a marcadores biológicos para avaliação da resposta ao tratamento.
“A conclusão desta pesquisa para um novo medicamento foi uma história de sucesso para pacientes, médicos e pesquisadores da doença de Chagas na Bolívia, demonstrando que testes clínicos de excelente qualidade podem ser realizados em países endêmicos”, comentou o Dr. Faustino Torrico, da Universidad Mayor de San Simón, em Cochabamba, Bolívia, um dos investigadores principais do estudo. “Os dados gerados foram de alta qualidade e os nossos centros clínicos e equipes de pesquisa obtiveram uma valiosa experiência. Estamos prontos para conduzir futuros estudos.”
“A doença de Chagas é uma das doenças mais negligenciadas do mundo, milhões de pacientes continuam sendo ignorados e muitos morrem por falta de opções e acesso a tratamento”, disse o Dr. Bernard Pécoul, diretor executivo da DNDi. “Precisamos tirar proveito de resultados importantes como estes para ampliar, hoje, o acesso ao tratamento, usando este impulso para desenvolver tratamentos mais seguros, mais eficazes e que de fato salvem as vidas dos pacientes com doença de Chagas em todo o mundo.”
****
Principais conclusões
- Ao término do tratamento, as taxas de erradicação do parasita de Chagas determinadas por PCR (marcador de resposta terapêutica) foram de 79 a 91% para o E1224; 91% para o benznidazol; e 26% para o placebo.
- 12 meses após o tratamento, de 8 a 31% dos doentes tratados com E1224 mantiveram a eliminação do parasita, em comparação com 81% dos tratados com benznidazol e 8,5% com placebo.
Parceiros de estudo e doadores
Muitas instituições colaboraram com este estudo, incluindo: DNDi; Eisai Co. Ltd, Japão; Plataforma de Atenção Integral aos Pacientes com Doença de Chagas, Espanha/Bolívia; Universidade Mayor de San Simón, Bolívia; Universidade Autônoma Juan Misael Saracho, Bolívia; Coletivo de Estudos Aplicados e Desenvolvimento Social (CEADES), Bolívia; NUDFAC – Núcleo de Desenvolvimento Farmacêutico e Cosméticos, Brasil; Centro de Pesquisa em Saúde Internacional de Barcelona (CRESIB), Espanha; e o Instituto de Investigações em Engenharia Genética e Biologia Molecular ─ Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (INGEBI-CONICET), Argentina.
O Welcome Trust, do Reino Unido, foi o principal financiador do projeto. Verbas adicionais foram cedidas por: Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DFID), do Reino Unido; Agência Espanhola de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional (AECID), Espanha; Ministério Holandês de Negócios Estrangeiros (DGIS), Holanda; Médicos Sem Fronteiras (MSF); e outras fundações.
Divulgação dos resultados do estudo
Os resultados dos estudos clínicos foram divulgados durante a apresentação “E1224 – resultados do estudo clínico de prova de conceito em pacientes com doença de Chagas crônica indeterminada”, pelo Dr. Faustino Torrico, da Universidade Mayor de San Simón, Cochabamba, Bolívia, no simpósio organizado pela DNDi “Doença de Chagas: Avanços Recentes em Pesquisa e Desenvolvimento”, durante o congresso anual da Sociedade Americana de Medicina Tropical e Higiene (ASTMH, na sigla em inglês que acontece de 13 a 17 de novembro de 2013 em Washington DC, nos Estados Unidos. Outras conclusões do estudo apresentado no simpósio foram: “Farmacocinética do benznidazol na população de crianças e adultos com doença de Chagas”, por Jaime Altcheh, Hospital de Niños Ricardo Gutierrez, Buenos Aires, Argentina; “TRAENA – Avaliação controlada por placebo do impacto do tratamento com benznidazol na progressão em longo prazo da doença em adultos com doença de Chagas crônica”, por Adelina Riarte, Instituto Nacional de Parasitología “Dr. Mario Fatala Chaben”, Buenos Aires, Argentina; e” Avanços em marcadores biológicos de resposta terapêutica na doença de Chagas”, por Maria Jesus Pinazo, CRESIB – Centro de Pesquisa em Saúde Internacional de Barcelona, Espanha, e Alejandro Schijman, CONICET-INGEBI, Buenos Aires, Argentina.
Sobre a doença de Chagas
A Doença parasitária que mais mata nas Américas, a doença de Chagas (Tripanossomíase americana) infecta cerca de 8 milhões de pessoas, a maioria na América Latina, onde a doença é endêmica em 21 países e mata cerca de 12.000 pessoas a cada ano. As pessoas mais afetadas são normalmente das classes sociais mais baixas, vivem em condições habitacionais inadequadas e frequentemente têm pouco acesso a serviços de saúde. Crescem também os casos diagnosticados da doença de Chagas na América do Norte, Europa, Japão e Austrália. Causada pelo parasita Trypanosoma cruzi, a doença de Chagas começa com uma fase inicial aguda, com duração de cerca de dois meses, que pode evoluir para uma fase crônica e tardia, que perdura por toda a vida, na qual até 30% dos pacientes sofrem danos ao coração com risco de morte e até 10% sofrem danos severos ao sistema digestivo. O parasita de Chagas é transmitido principalmente pela picada dos triatomíneos, insetos hematófagos também chamados “barbeiros”. Também é transmitido por transfusões de sangue, transplante de órgãos ou durante a gestação, da mãe ao filho, destes ocorre anualmente estimados 14.000 novos casos. Os tratamentos atuais ainda são difíceis de implementar devido à duração do tratamento e aos efeitos colaterais associados ao seu uso. A DNDi está empenhada em desenvolver um medicamento novo, seguro, eficaz e acessível para o tratamento da doença de Chagas.
Sobre a DNDi
A iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi) é uma organização não lucrativa para pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novos tratamentos para as doenças mais negligenciadas, em especial a doença do sono (tripanossomíase humana africana), doença de Chagas, leishmaniose, filária e HIV/AIDS pediátrica. Desde a sua criação em 2003, a DNDi já produziu seis novos tratamentos: dois antimaláricos em dose fixa (ASAQ e ASMQ), terapia combinada nifurtimox-eflornitina (NECT) para doença do sono em estágio final, terapia com combinação de estibogluconato de sódio e paromomicina (SSG & PM) para leishmaniose visceral na África, um conjunto de terapias combinadas para a leishmaniose visceral na Ásia e uma formulação pediátrica do benznidazol para a doença de Chagas. A DNDi foi criada pelos Médicos Sem Fronteiras (MSF), Conselho Indiano de Pesquisa Médica, Instituto de Pesquisa Médica do Quênia, Fundação Oswaldo Cruz do Brasil, Ministério da Saúde da Malásia e Instituto Pasteur na França. O Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais (TDR) da Organização Mundial de Saúde (OMS), UNICEF e o Banco Mundial são observadores permanentes.
www.dndial.org
www.dndi.org
Sobre a Eisai
A Eisai Co., Ltd. é uma empresa de cuidados de saúde com foco em pesquisa e realiza novas descobertas, desenvolve e comercializa produtos em todo o mundo. (www.eisai.com). A Eisai está empenhada em contribuir para a melhoria da saúde pública das populações de países emergentes e países em desenvolvimento, além da expansão do desenvolvimento econômico, da classe média e de outros fatores que possam beneficiar essas regiões. A empresa considera esse compromisso um investimento de longo prazo, parte de uma era cada vez mais globalizada. Sendo assim, envolve-se constantemente em iniciativas voltadas à superação de questões envolvendo o acesso a medicamentos, a fim de combater, de modo eficaz, doenças infecciosas, incluindo doenças tropicais negligenciadas (DTNs). A Eisai também é signatária da Declaração de Londres, que hoje é a maior parceria público-privada mundial voltada para eliminar dez DTNs até 2020.
Sobre o Wellcome Trust
O Wellcome Trust é uma fundação global dedicada a obter melhorias extraordinárias na saúde humana e animal. A instituição apoia as mentes mais brilhantes dedicadas à investigação biomédica e as humanidades médicas. O suporte que oferece abrange engajamento público, educação e aplicação da pesquisa para melhorar a saúde. Sua atuação independe de interesses políticos e comerciais.
www.wellcome.ac.uk
Contatos com a mídia (no local, ASTMH):
- (América do Norte; Inglês) Oliver Yun: e-mail: oyun@dndi.org / Celular: +1-646-266-5216
- (América Latina; Espanhol/Português) Betina Moura: e-mail: bmoura@dndi.org / Celular: +55 21 9 8122 2798