A urgência da inovação

Por que é mais importante do que nunca investir em novos instrumentos contra as doenças tropicais negligenciadas

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No curta-metragem ‘O sonho de um médico‘, contamos a história do médico congolês Victor Kande, que dedicou a vida a encontrar uma cura segura e eficaz para a doença do sono. A enfermidade é uma das 20 doenças tropicais negligenciadas (DTN) debilitantes e muitas vezes fatais reconhecidas pela OMS que afetam 1,5 bilhões de pessoas no mundo, destruindo comunidades e estagnando o desenvolvimento econômico e social.

O controle das DTN é considerado um indicador de progresso rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, em particular a meta de ‘saúde para todos‘ do ODS 3, o objetivo para a saúde. Usando os ODS como barômetro, perguntamos: nosso progresso atende às necessidades médicas das comunidades mais vulneráveis e marginalizadas do mundo?

Alcançar comunidades remotas e vulneráveis que enfrentam as maiores barreiras de acesso à saúde é crucial para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e não deixar ninguém para trás. Compromissos adequados com pesquisa e inovação médica para as DTN serão os principais determinantes do progresso na próxima década.

Dr Dirk H. Mueller, Assessor sênior para saúde da Equipe de Pesquisa em Saúde da Divisão de Pesquisa e Evidências do Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido

Metas ambiciosas, progresso notável

Em 2012, a OMS lançou um ambicioso plano de ação para as DTN, contendo diretrizes para o controle e a eliminação de 17 doenças até 2020. A ‘Declaração de Londres‘ veio logo em seguida, com o compromisso de empresas farmacêuticas de ajudar a reduzir o impacto de 10 DTN – com bilhões de tratamentos fornecidos através de campanhas de medicação em massa.

Desde então, mais de 30 países já eliminaram ao menos uma DTN como problema de saúde pública. Esse progresso, conquistado com muito esforço, atesta o valor de ambições corajosas, respostas nacionais robustas e determinação das equipes de saúde na linha de frente.

A doença do sono, prestes à eliminação em nível global, possivelmente seja uma das maiores histórias de sucesso. Um dos principais ingredientes para o bom resultado é o investimento maciço em inovação. De posse de novas ferramentas, os esforços contínuos de controle diminuíram o número de casos de dezenas de milhares para menos de mil por ano. O financiamento constante em P&D por parte dos doadores e a duradoura parceria da DNDi com a Sanofi – inicialmente para a terapia de combinação nifurtimox-eflornitina (NECT) e, depois, para o fexinidazol – foram essenciais para tornar realidade o sonho do Dr. Kande de tratamentos mais seguros, simples e eficazes.

O sonho de um médico

Nosso filme sobre a procura do Dr. Kande e da DNDi por tratamentos melhores para a doença do sono destaca o poder que a inovação médica tem de mudar a vida de pessoas afetadas por DTN. O curta recebeu o Grande Prêmio no festival de cinema Saúde para Todos em fevereiro de 2020, o primeiro a ser promovido pela OMS.

O caminho a seguir

Apesar dos avanços significativos alcançados no campo das DTN para pacientes negligenciados, que não pode deixar de ser celebrado, há alguns riscos que podem desacelerar ou interromper esse progresso.

Ainda estamos muito distantes de atingir os objetivos traçados há quase 10 anos. Para a maioria das DTN, faltam ferramentas de prevenção, diagnóstico e tratamento seguras e eficazes e que possam ser integradas facilmente aos sistemas de saúde locais. Não é possível obter e sustentar novos avanços contra as DTN sem novas inovações médicas.

Vejamos, por exemplo, a doença de Chagas: o tratamento atual é eficaz, mas dura oito semanas e, às vezes, tem sérios efeitos colaterais. As campanhas de administração de medicamentos em massa têm sido bem-sucedidas como ferramentas de prevenção, mas precisam ser repetidas constantemente porque o medicamento utilizado não mata os vermes adultos, que podem viver mais de 10 anos no corpo humano. Já no caso do micetoma, os tratamentos curam apenas 35% dos pacientes, deixando como única alternativa para muitos a amputação.

Para essas e muitas outras doenças, é preocupante que o financiamento de P&D para as DTN tenha estagnado durante a última década.

O desenvolvimento de medicamentos é um processo longo, complexo e de alto risco. Ocompromisso contínuo dos doadores é necessário para o desenvolvimento de tratamentos para as DTN que sejam mais seguros, eficazes e baratos. É mais importante do que nunca fomentar a ciência direcionada às necessidades de pacientes negligenciados.

Catherine K. Ohura, CEO e diretora executiva do Global Health Innovative Technology Fund (GHIT)

Investindo na próxima década

Em 2019, equipes da DNDi assessoraram a elaboração do novo plano de ação da OMS para as DTN para o período 2020-2030, que estabelecerá novas metas de controle e eliminação. No momento do fechamento deste texto, seu lançamento foi adiado por causa da COVID-19, assim como um encontro de cúpula de alto nível sobre DTN que seria realizado em Kigali em 2020 para mapear a próxima década de atividades.

Mesmo sem a realização de eventos-chave, o ímpeto global contra as DTN precisa ser acelerado após a publicação do novo plano de ação da OMS. Vontade política contínua, novas ferramentas de saúde seguras e eficazes e financiamento sustentável para as DTN são essenciais para se alcançar os ODS e tornar realidade os sonhos dos médicos, assim como a promessa e a possibilidade da saúde para todos.

Créditos fotográficos: Ana Ferreira-DNDi; Xavier Vahed-DNDi

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